Ajuda Social e Direito de Residência

Ajuda Social e Direito de Residência
Ajuda Social e Direito de Residência

Ajuda Social e Direito de Residência: Os Riscos para Emigrantes Portugueses na Suíça

Introdução

A Suíça é historicamente um país de acolhimento para muitas comunidades estrangeiras, entre elas a portuguesa. Estima-se que vivam na Suíça mais de 250 mil portugueses, muitos dos quais contribuem significativamente para a economia local, nos setores da construção, da hotelaria, da indústria e dos serviços. No entanto, apesar da sua contribuição, os emigrantes continuam vulneráveis a um sistema legal e social que, em determinadas circunstâncias, pode transformar a ajuda em armadilha.

Um dos temas mais sensíveis e menos compreendidos por muitos cidadãos estrangeiros é a relação entre o direito à ajuda social e o direito de residência. Esta relação tornou-se ainda mais crítica desde a entrada em vigor, em 2019, da Lei Federal sobre os Estrangeiros e a Integração (LEI). Para os emigrantes portugueses, especialmente os que possuem bens (como imóveis) em Portugal, o cenário é ainda mais complexo: pedir ajuda social na Suíça pode implicar sanções severas, incluindo a revogação da autorização de residência, mesmo após muitos anos de estadia legal no país.

Este artigo analisa em profundidade os riscos legais, sociais e humanos desta situação, com enfoque especial nos cidadãos portugueses.

1. O que é a ajuda social na Suíça?

Na Suíça, a ajuda social (ou assistência social) é um apoio financeiro concedido a pessoas que não conseguem garantir os seus meios de subsistência por conta própria. Trata-se de um último recurso, acionado apenas quando esgotadas outras fontes como o seguro-desemprego, subsídios de invalidez ou poupanças pessoais.

A regulamentação da ajuda social é feita a nível cantonal, ou seja, cada cantão define as suas próprias regras. No entanto, existe um conjunto de diretrizes gerais estabelecidas pela Conferência Suíça das Instituições de Ação Social (CSIAS), que fornece normas de referência sobre valores mínimos, acompanhamento e integração social e profissional dos beneficiários.

Ao contrário de outros países, como Alemanha Portugal ou Áustria, na Suíça a ajuda social pode ter de ser reembolsada, sobretudo quando a pessoa volta a ter rendimentos ou património suficiente. Além disso, o simples recurso a esta ajuda pode ter implicações legais no estatuto de residência, especialmente para cidadãos estrangeiros.

2. A Lei sobre os Estrangeiros e a Integração (LEI): Um ponto de viragem

Com a entrada em vigor da nova LEI em 2019, os critérios para a manutenção e renovação da autorização de residência ficaram mais exigentes. A lei prevê explicitamente que o recurso à ajuda social pode constituir motivo para revogar ou não renovar uma autorização de residência ou de estabelecimento.

Antes de 2019, a retirada da autorização era mais difícil e geralmente aplicada apenas em casos graves ou de longa dependência dos serviços sociais. Agora, mesmo pessoas que residem há mais de 15 anos na Suíça podem ver sua autorização de residência cancelada se recorrerem à ajuda social.

Além disso, os serviços sociais passaram a ter a obrigação de comunicar automaticamente às autoridades migratórias sempre que um estrangeiro solicite apoio. Isso significa que pedir ajuda social já não é apenas uma questão de apoio financeiro, mas passa a ser também uma decisão com consequências legais diretas.

3. Portugueses na Suíça: Uma comunidade em risco

Os emigrantes portugueses, mesmo os que residem há décadas na Suíça, estão sujeitos às mesmas regras que qualquer outro estrangeiro. No entanto, há características específicas que tornam muitos portugueses particularmente vulneráveis à armadilha legal:

  • Possuem imóveis ou poupanças em Portugal – muitas vezes herdados ou comprados com esforço ao longo dos anos. Este património pode ser interpretado pelas autoridades como capacidade financeira não declarada.
  • Falta de informação jurídica – muitos emigrantes não têm acesso a apoio jurídico adequado ou não conhecem os seus direitos e deveres no sistema suíço.
  • Medo de retaliação – devido à burocracia e à desconfiança nas instituições, muitos preferem evitar qualquer contato com os serviços sociais, mesmo em situação de extrema necessidade.

Assim, ao enfrentar dificuldades financeiras como perda de emprego, doença ou separação conjugal , muitos portugueses preferem recorrer a apoios informais ou instituições como igrejas e ONGs, em vez de procurarem os serviços sociais do Estado. Isso, no entanto, aumenta os riscos de endividamento, depressão e isolamento social.

4. O paradoxo do “direito à ajuda” que pode custar o direito de ficar

A Constituição suíça garante que todas as pessoas, independentemente da nacionalidade, têm direito à ajuda em caso de necessidade. Porém, esse direito entra em conflito com o regime migratório vigente. Pedir ajuda social pode ser interpretado como falta de integração econômica, critério usado para avaliar se uma pessoa merece continuar a viver na Suíça.

Isto cria um paradoxo cruel: os mais necessitados são exatamente aqueles que correm maior risco de serem expulsos ou não terem a autorização renovada. Segundo diversas investigações, esta situação abala profundamente a confiança da população migrante nas instituições estatais .

5. Património no estrangeiro: Um fator agravante

Para os emigrantes que possuem imóveis, terrenos ou contas bancárias em Portugal, o risco é ainda maior. As autoridades suíças podem interpretar este património como meio de subsistência não declarado, o que pode:

  • Desencadear investigações por parte dos serviços sociais ou das autoridades fiscais;
  • Levar à exigência de reembolso retroativo da ajuda recebida;
  • Servir de base para revogação do direito de residência, com o argumento de que a pessoa não depende verdadeiramente do sistema suíço e poderia “viver com os meios disponíveis no estrangeiro”.

Mesmo que esse património não seja imediatamente acessível (ex.: uma casa de família ocupada por parentes, ou imóvel herdado sem rendimento), a sua simples existência pode ser usada contra o emigrante num processo legal.

6. Consequências pessoais e sociais

As consequências deste sistema são vastas:

  • Medo constante de perder o direito de viver na Suíça;
  • Evitação de cuidados médicos ou psicológicos por receio de gerar registos indesejados;
  • Risco de pobreza extrema, sem acesso ao apoio estatal mínimo;
  • Endividamento crescente e marginalização social;
  • Fuga do sistema formal para redes de solidariedade informais, que não conseguem garantir apoio estável.

Durante a pandemia de COVID-19, ficou claro que muitos estrangeiros, incluindo portugueses com longa residência, evitaram qualquer contacto com os serviços sociais, mesmo em situações de necessidade urgente.

7. Perspetivas de mudança: A pobreza não é crime

Em junho de 2023, o Parlamento suíço aprovou a iniciativa “La pauvreté n’est pas un crime” (“A pobreza não é um crime”), apresentada pela Conselheira aos Estados Samira Marti. A proposta exige que nenhuma pessoa possa perder o direito de residência por ter pedido ajuda social, desde que:

  • Resida na Suíça legalmente há pelo menos 10 anos;
  • Tenha uma autorização de residência ou de estabelecimento válida.

O objetivo é restaurar a confiança dos migrantes nas instituições e garantir que o direito à dignidade humana se sobreponha à lógica de exclusão.


Conclusão

A situação vivida por muitos emigrantes portugueses na Suíça é alarmante. O direito à ajuda social, que deveria ser um instrumento de proteção, transforma-se num risco jurídico com consequências devastadoras. O fato de possuir património em Portugal pode agravar ainda mais essa realidade, levando pessoas a evitarem o sistema de apoio e a mergulharem numa espiral de pobreza invisível.

É fundamental que haja mais transparência, informação e apoio jurídico para os estrangeiros na Suíça. E, mais importante ainda, que o sistema jurídico evolua para separar claramente o direito à assistência da avaliação migratória. Enquanto isso não acontecer, milhares de pessoas viverão entre a pobreza e o medo de perder o direito de permanecer no país que ajudaram a construir.

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